Cem dias entre céu e mar- Um excelente livro de Amyr Klink

Não sei dizer quando eu comecei a me interessar pelos livros do Amyr. Não sei se foi o meu espírito viajante ou quando fui buscar onde estava esta declaração:

"Um homem precisa viajar. Por sua conta, não por meio de histórias, imagens, livros ou TV. Precisa viajar por si, com seus olhos e pés, para entender o que é seu. Para um dia plantar as suas árvores e dar-lhes valor. Conhecer o frio para desfrutar o calor. E o oposto. Sentir a distância e o desabrigo para estar bem sob o próprio teto. Um homem precisa viajar para lugares que não conhece para quebrar essa arrogância que nos faz ver o mundo como o imaginamos, e não simplesmente como é ou pode ser; que nos faz professores e doutores do que não vimos, quando deveríamos ser alunos, e simplesmente ir ver”.



e descobrir que este trecho encontra-se no livro Mar Sem Fim, e comprei o livro. Porém, mais do que viagens espetaculares, na verdade, expedições, os relatos de Amyr, são excelentes exemplos de organização e planejamento. Considero leitura fundamental para aqueles que amam viajar e compartilhar informações sobre viagens.


Cem dias entre céu e mar,  relata todo o planejamento e execução da travessia de Luderitz, uma cidade da Namíbia, na costa da África, até o Brasil em cem dias a bordo de um barco a remo e sozinho.

Porto de Luderitz, Namíbia


E a partida? 

Estamos falando de uma viagem planejada, lembra? Então, Luderitz foi escolhida pois é desta região da costa africana que começa a Corrente Marítima de Benguela que tem sentido norte e depois se encontra com a Corrente Sul-Equatorial e depois com a Corrente do Brasil. Seguindo estas Correntes, o Amyr conseguiria chegar ao Brasil. O barco saiu do Rio de Janeiro em um navio e Amyr partiu de Luderitz em 10 de Junho de 1984.

E as roupas? 

Ele deve ter levado umas 2 malas de 32kg cada, e uma mala de mão? Também não. A quantidade de roupa era proporcional ao tamanho do barco, e num dado momento, ele desistiu das roupas e passou a usar um "uniforme de trabalho", um macacão de mergulho, com o qual suportava as águas frias e geladas do oceano.

E a comunicação? 

Ele se comunicava mais com os navegadores ao seu redor que estavam preocupados com ele e lhe informavam acerca de posição e tempo, como exemplo, o Ayres da embarcação brasileira Felipe Camarão. Será que o Amyr mandava foto de tudo, a todo momento e alimentava o instagram e o facebook diariamente? Esta travessia foi feita em 1984 quando não existia a tecnologia do GPS, assim, ele se comunicava com amigos e familiares, através de um radioamador, a princípio diariamente, mas depois ele viu que isso tomava muito tempo e no final ele não ficava sabendo notícias de ninguém, então ficou ainda mais rara a comunicação com amigos e familiares.

E não ter uma companhia? 

Tem um trecho que me fez rir:

"O grande problema de estar sozinho era não ter com quem reclamar das coisas que não iam bem. ... Ás vezes dava graças a Deus por estar só e, num momento difícil, poder decidir com calma e sem pressões. ... Um segundo tripulante não teria durado muito tempo a bordo."

E a solidão? 

O Amyr relata: " E, isolado, também não estava. Ao redor, tudo era sinal de vida. Gaivotas e aves marinhas de todo tipo, as ondas com quem discutia, pilotos e fiéis dourados aumentando dia a dia. as imensas e amáveis baleias e mesmo os desagradáveis tubarões me faziam companhia...
Tudo, menos solidão
!"

E qual foi o primeiro lugar que Amyr Klink colocou os pés ao chegar ao Brasil??? Diz aí... advinha... na Bahia! Claro, nas águas da Praia da Espera, próximo a Praia do Forte. Não haveria lugar melhor. Ele poderia ter ido mais ao Norte, para Aracaju, ou mais ao Sul, para Morro de São Paulo. O Amyr perseguiu este destino por longos dias e conseguiu chegar em 18 de Setembro de 1984, numa tarde de terça feira.

Chegada em Salvador em 19 de Setembro de 1984

Algumas lições de Cem dias entre céu e mar 


Qual o nosso ponto de partida? O que levar na mala? 

Para desfrutar da viagem, planeje mais (não faltam excelentes blogs para isso), organize bastante (tem aplicativos, caderno, agendas), porém leve menos. Viaje leve! Faça como o Amyr, leve o necessário, o desnecessário só atrapalha. Você já observou que há viagens em que repetimos roupas, enquanto tem peças que nem viram a luz da lâmpada?


E se eu não tiver companhia pra viajar? 

Você já percebeu que tem umas companhias de viagens que são desnecessárias? Como diz aquele ditado: antes só, do que mal acompanhado. Experimente viajar sozinho, mas cuidado pra não viciar. Descubra-se. Experimente-se. Permita-se usufruir de você mesmo, sem incômodos. Se der algo errado? Dê risada de você mesmo...


As redes sociais são legais? 

São. Mas se desprenda. A viagem é sua. A viagem é pra você. Viva seu momento único e se liberte da tecnologia. A sensação de liberdade e de prazer duma viagem ( que o Amyr sentiu várias vezes em alto mar, sozinho) rede social nenhuma pode te dar. Ou você troca estas sensações por likes e compartilhamentos? Você já percebeu que estamos perdendo o prazer e a alegria de apreciar um pôr do sol, um banho de cachoeira, a risada de um bêbê, pois buscamos o melhor enquadramento, a melhor composição ou controlar a abertura e a velocidade da câmera? Você já percebeu que estamos comendo frio, não saboreando um prato corretamente, por que perdemos tempo preocupados em fotografar e compartilhar a foto (e não o alimento, rsrs)? Ah, mas eu quero dar dicas e sugestões. Beleza, quando você voltar à vida real você conta, nós aguardamos.


Um dos momentos mais emocionantes para o Amyr foi avistar a Ilha de Santa Helena que fica bem no meio do caminho entre Brasil e África. Ele pulou de alegria. Ele chorou. Será que nos emocionamos com cada realização do nosso roteiro, que planejamos com tanto carinho e talvez pensamos que não ia dar ou que não íamos chegar? Ou o objetivo é cumprir uma maratona de pontos turísticos a visitar e depois contar que apenas passamos por ali? O importante não é o destino, mas aproveitar o trajeto!



Deixo-vos um trechinho que amei:

"Dias inteiros de calmaria, noites de ardentia, dedos no leme e olhos no horizonte, descobri a alegria de transformar distâncias em tempo.... A transformar o medo em respeito, o respeito em confiança. Descobri como é bom chegar quando se tem paciência. E para se chegar, onde quer que seja, aprendi que não é preciso dominar a força, mas a razão. É preciso, antes de mais nada, querer." 

Trajeto da África até o Brasil num barco a remo, uma travessia jamais repetida.
P.S.: agradeço a minha amiga Ester por este belo presente.

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